Provavelmente, em algum momento, você já ouviu a lenda urbana sobre o rapaz na banheira de gelo. Ela diz que, certa noite, um jovem é convidado para uma festa e, após tomar algumas bebidas oferecidas por uma bela desconhecida, ele apaga e acorda no dia seguinte, nu e deitado em uma banheira cheia de gelo. Ao ligar para a emergência, constata-se que seus rins haviam sido retirados. A história conta que esses órgãos são retirados por uma quadrilha especializada e que os mesmos são vendidos a preços bem altos para a realização de transplantes. Afinal de contas, os rins são mesmo transplantados? Como sobreviver a horas em uma banheira de gelo?
Quem não entende muito bem do assunto acaba acreditando na história. Porém, a retirada e o transplante de órgãos envolvem cuidados e detalhes muito mais complexos. E é sobre isso que vamos falar hoje!
O que é transplante?
É um tratamento que geralmente consiste na substituição de um órgão ou de um tecido doente de uma pessoa (chamada de receptor), por outro sadio, de um doador vivo ou falecido. Tem como objetivo prolongar e melhorar a qualidade de vida do paciente, e não é feito por um médico apenas, isso é impossível. O transplante necessita de uma grande equipe de especialistas médicos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, nutricionistas e outros. Requer também hospitais credenciados com CTI e salas esterilizadas.
Quem pode doar órgãos ou tecidos?
Doador falecido – Indivíduo que já faleceu, que apresenta morte cerebral comprovada clinicamente e com exames, mas cujo corpo está mantido por aparelhos num estado que permite atrasar a deterioração dos órgãos e tecidos. Esses órgãos e/ou tecidos passam por diversos exames para constatar seu grau de preservação, e podem ser utilizados para transplantes, após assinatura do termo de consentimento por sua família.
Doador vivo – Geralmente um familiar próximo, previsto em portaria do Ministério da Saúde. Pode ser também um cônjuge, ou outra pessoa próxima com autorização judicial.
A escolha envolve o médico, o paciente, o doador e a família – e depende do caso em questão. Contudo, nem sempre é possível encontrar um doador vivo e nem todos os órgãos do corpo podem ser retirados.
O que se leva em conta na escolha do melhor doador para um paciente?
A compatibilidade entre eles envolve muitas coisas, como grupo sanguíneo, peso e idade. Não se coloca, por exemplo, um coração grande numa criança pequena. E pacientes de grupo sanguíneo O só podem receber um rim ou coração do tipo O. É muito importante a verificação do grau de compatibilidade de genes e moléculas (antígenos) chamadas HLA. Essas moléculas, responsáveis pelo reconhecimento de agentes infecciosos como vírus e bactérias, são também capazes de iniciar a resposta imune contra o órgão ou o tecido recebido. Quanto maior a compatibilidade entre os antígenos do doador e os do receptor, menor a chance de reação contrária, e mais altas são as chances do transplante ser bem sucedido e duradouro.
Quais os cuidados que um transplantado deve ter?
O transplantado – aquele que recebe o órgão ou tecido – fará controle periódico com seu médico, que orientará o uso contínuo de medicamentos. As visitas para controle serão espaçadas ao longo do tempo, à medida que se constate a adaptação do organismo ao novo órgão. Esse controle médico permite avaliar o estado de saúde do transplantado, individualizar a dose de seus remédios e manter vigilância quanto ao risco de rejeição.
O que é rejeição?
A rejeição pode ocorrer quando o sistema imunológico do receptor, responsável por combater as ameaças externas (bactérias, vírus, células cancerosas, por exemplo), reconhece o novo tecido ou órgão como estranho e passa a combatê-lo também. Essa reação do organismo, se não for detectada e tratada corretamente a tempo, pode levar à perda do órgão transplantado. Por isso tudo a vista periódica ao médico é tão importante.
Curiosidades
No Brasil, o transplante de um órgão de uma pessoa já falecida só é realizado caso sua família autorize o procedimento, mesmo que o indivíduo tenha manifestado em vida o desejo de doar os seus órgãos após a morte. Por isso, é importante que a pessoa discuta a questão com os familiares, para que o tempo decorrido entre a retirada do órgão e o transplante seja o menor possível.
Coração e pulmão podem ser preservados fora do corpo no durante quatro a seis horas no máximo, se as condições forem adequadas. O fígado, de 12 a 24 horas, e os rins até 48 horas.
Como é feito o transporte de órgãos?
Se um órgão de um doador falecido é retirado fora do local onde será implantado em outra pessoa, ele deve ser retirado do doador em CTI de um hospital habilitado. Os profissionais de saúde que acondicionam os órgãos em recipientes apropriados devem possuir treinamento especializado, e os envolvidos no deslocamento devem estar bem orientados quanto aos cuidados necessários.
Se o profissional de saúde designado pela equipe técnica de transplantes acompanhar o transporte, o mesmo poderá ser realizado em veículo não oficial. Se esse profissional não estiver junto, o transporte só poderá ocorrer em veículo oficial ou terceirizado. Neste último caso, é necessário que exista um plano de transporte com a definição das responsabilidades e que a empresa transportadora seja legalmente constituída.
É proibido transportar órgãos com outro tipo de carga, que ofereça riscos de contaminação. Além disso, todos os registros devem ser de caráter confidencial, respeitando o sigilo da identidade do doador e do receptor.
Quando o transporte do órgão é feito por avião, outros cuidados e curiosidades fazem parte do processo:
- Os órgãos para transplante fazem parte de uma lista restrita de itens que não devem passar pelo detector de metais (uma preocupação para garantir as características naturais deles);
- A aeronave que transporta o órgão possui prioridade no momento da decolagem;
- O recipiente com o órgão deve ser acomodado na cabine, aos cuidados do comandante do voo;
- O desembarque do(s) órgão(s) transportado(s) deve ser feito antes de qualquer passageiro;
Viu como o transplante de órgãos envolve etapas e processos complexos e que a história da mulher em uma banheira de gelo realmente não passa de uma lenda urbana?
Fonte – e saiba mais: IG Saúde, Hospital Albert Einstein, Super Interessante, ABTO e isaude.net